Glaciares Grey, Perito Moreno e escalada ao Vulcão Villarrica: roteiro completo de moto pela América do Sul

Glaciares Grey, Perito Moreno e escalada ao Vulcão Villarrica: roteiro completo de moto pela América do Sul

Independentemente de idade e de alguns roteiros de aventura no currículo, a sensação de superar o desafio e de idealizar, planejar e executar de moto o principal roteiro de aventura da América do Sul, é indescritível. Encarar o desconhecido fez desta viagem algo inusitado e inebriante.

Foi no mês de fevereiro que embarcamos as motos (duas BMW, 1200 Adventure) de Uberlândia/MG para Porto Alegre/RS, ponto de saída da expedição. Aqui fica uma sugestão: nunca subestime as adversidades, especialmente aquelas geradas pela natureza. Previna-se com equipamentos de segurança adequados.

Saímos de Uberlândia rumo à São Paulo e depois Porto Alegre. O início foi conturbado. Aeroporto lotado e informações desencontradas fizeram com que eu e minha esposa Flaviana perdêssemos o voo para Porto Alegre. Por sorte, conseguimos um encaixe e a sensação de que tudo ia voltar ao roteiro planejado pairou novamente. Um casal de amigos, João e Josiane, já nos esperavam para a aventura.

No primeiro dia de viagem, saímos bem cedo de Porto Alegre e colocamos o pé na estrada. 804 km nos separavam de Montevidéu, no Uruguai. A primeira parada para o almoço foi em Chuí, no Rio Grande do Sul. Por ser zona franca é uma boa opção para reforçar agasalhos e acessórios para encarar o frio polar. Superadas as extensas planícies uruguaias, na primeira noite encontramos os hotéis lotados. Com muita dificuldade conseguimos vaga.

 

No segundo dia de viagem, teríamos um longo percurso, 903 km até Bahia Blanca – Província de Buenos Aires (Argentina). O desafio foi pegar a balsa para Buenos Aires. As mulheres ficaram na tumultuada fila dos passaportes e eu e o João fomos para a fila de embarque das motos. Após um certo desgaste e demora, conseguimos embarcar em uma balsa confortável com loja de conveniência e um agradável deck externo para apreciar o trajeto. Uma hora depois desembarcamos no horário do almoço. Fomos ao centro antigo, na Rua Florida, para fazer cambio de moeda e almoçamos em Puerto Madero.

Até o destino combinado para aquele dia ainda faltavam 636 km. A vista era monótona. Muito verde…pasto, cavalos, bois. Era tudo muito deserto, não se via nenhuma pessoa, construção e os poucos postos de combustível que existiam no caminho tinham filas gigantescas, de até 4 horas de espera. Chegamos à noite e conseguimos só um hotel bem velho… mas ficamos felizes por podermos descansar.

No terceiro dia de viagem saímos de Bahia Blanca para Puerto Madryn, Província de Chubut, a 664km. O céu estava azul e sem nenhuma nuvem. Na maior parte das vezes era difícil encontrar um posto e andávamos no limite do combustível. No meio do caminho paramos e enfrentamos uma fila de quatro horas e meia para abastecer.

Puerto Madryn é um importante polo turístico, especialmente pela boa chance de encontrar baleias fêmeas com seus filhotes a 15 metros da costa – “El Doradillo”, além da Península de Valdés, que abriga colônias de pinguins, leões e elefantes marinhos o ano inteiro.

O destino seguinte foi Comodoro Rivadavia – Chubut (Argentina), a 440 km. Paramos em uma cidadezinha de veraneio chamada Rata Tylka, que fica a 20 minutos de Comodoro. A sensação era de 15ºC e as pessoas estavam de regata na praia. Tentamos nos hospedar em um hotel, mas só conseguimos aproveitar as deliciosas maçãs verdes colhidas diretamente no pé. Estava lotado. Voltamos e dormimos em Comodoro.

O forte e intermitente Vento Polar

Diante da imensidão da Patagônia Argentina, estamos agora no quinto dia, temos 778 km até Rio Gallego – Santa Cruz (Argentina). Haviam um forte vento que em alguns momentos atingia 120 km/h. O vento à beira-mar castigava. Rodamos 80 km e nos deparamos com uma manifestação de trabalhadores que há meses não recebiam salários. Esperamos 40 minutos até liberarem a estrada. Andamos mais 5 km e outra barreira: eram 10h40 e só iam liberar a estrada de novo ao meio dia. Esperamos em um posto e depois almoçamos em Los Cerros.

Uma dica é reduzir o volume de vela gerado pela bagagem. Se possível, eliminar o top case e distribuir a bagagem sobre os sides. Isso faz toda diferença!

Seguimos viagem com o vendo mas para compensar, de repente o tempo virou de 31°C, com céu azul e muito vento, a temperatura mudou drasticamente (outra característica polar) e caiu para congelantes 9°C! Enfim, chegamos em Rio Gallego. Apesar de ser uma pequena cidade, nos hospedamos em um confortável e aconchegante hotel que nos serviu um delicioso jantar.

Finalmente chegamos a Ushuaia

O Ushuaia na Argentina foi o destino seguinte, percorrendo mais 580 km. Passamos pela fronteira Argentina – Chile e fomos conhecer o Estreito de Magalhães. Enquanto aguardávamos a balsa, descobrimos que os golfinhos-lisos-do-sul estavam ali. Parecem mini orcas. São preto e branco e os únicos que não possuem barbatana dorsal e, por isso, nadam com o mesmo movimento dos pinguins. Eles acompanharam a travessia da balsa em grupos. À noite, finalmente chegamos ao nosso destino: Ushuaia!

A cidade tem muitas lojinhas turísticas e com preços salgados. Há duas opções para visitar as pingüineiras: uma com embarque em fazenda próxima da cidade e que nos leva até a ilha dos pinguins com direito a descer e caminhar ao lado deles, sempre respeitando o mínimo de 3 metros de distância; a outra opção são as balsas que chegam perto das pingüineiras sem desembarque. Fizemos esta e valeu a pena.

São 3 horas de passeio em embarcação fechada e confortável, que conta ainda com um guia que nos explica sobre a região. A embarcação nos permite ficar a menos de 10 metros dos pinguins e leões marinhos. Os pinguins de Magalhães ficam de março a agosto na região do Rio Grande do Sul, no Brasil, e jamais vão em terra nesse período. De setembro a março eles descem para Ushuaia e ficam nas pingüineiras, onde acasalam, reproduzem e engordam os filhotes.

No dia seguinte fomos conhecer o Parque Nacional de Ushuaia. Uma van nos levou até a estação de trem com músicos tocando bolero e pessoas de diversas nacionalidades se divertindo na espera do trem. Embarcamos empolgados e … morremos de tédio. Foram 7 km a uma velocidade muito baixa para vermos lagos, vegetação rasteira, pedaços de florestas destruídas, tocos e mais tocos de árvores. Uma cena triste.

Hora de voltar? Ledo engano. Em nenhum momento até este ponto desconfiávamos que a melhor parte da viagem ainda estaria por vir!

De Ushuaia para Punta Arenas no Chile foram mais 629 km, com 11° C de temperatura. Da aduana argentina para a aduana chilena, foram 60 km de rípio (cascalho vulcânico solto) com ventos a 80km/h. A travessia da balsa foi interrompida pelos fortes ventos. Três horas de espera e só à noite conseguimos chegar em Punta Arenas.

De Punta Arenas para Puerto Natales (Chile), 248 km nos separavam. Quando a chuva passou, encontramos fazendeiros tocando ovelhas totalmente tosquiadas na margem da estrada. Um espetáculo! Íamos visitar o Parque Nacional de Torres Del Paine, mas por causa do mau tempo ele foi fechado. Então, nos hospedamos em um hotel nas cercanias da cidade.

No décimo primeiro dia de viagem, saímos de Puerto Natales para El Calafate – Santa Cruz, (Argentina), percorrendo 271 km. Após 25 km, paramos nas Cuevas del Milodon, uma caverna onde descobriram a ossada de um bicho preguiça gigante em 1895.

Glaciar: uma experiência inesquecível

A 60 km de El Calafate está o Parque Nacional Torres Del Paine (Chile). A fim de usufruir plenamente a visita, optamos por contratar um taxi para nos transportar dentro do Parque. Suas trilhas são de rípio, o que nos impediria de apreciar a paisagem com o esforço de equilibrar a moto. Pouco tempo depois, nas trilhas do parque, nos deparamos com um ônibus de turismo tombado pelo vento do dia anterior, culminando em 3 óbitos. Fiquei impressionado com a quantidade de guanacos! São animais nativos e selvagens, que pulam as cercas com facilidade e atravessam as estradas sem aviso prévio. São lindos, mas quase matam a gente de susto.

Seguimos a pé até o Glaciar Grey, local onde turistas coletam gelo para beber whisky, naquele momento o gelo estava retraído a léguas de distância. E mesmo sem gelo, o lugar é lindo e atípico… vale a caminhada!  Na estrada, fazia 5°C. Seguimos até El Calafate, pequeno polo turístico com boa estrutura.

No dia seguinte fomos até o Glaciar de Perito Moreno, na Argentina, distante 100 km de onde estávamos. O parque dispõe de excelente infraestrutura de visitação, justificada pela impactante e imponente maravilha da natureza, de uma grandeza impressionante. A gente fica horas por lá e não se cansa de comtemplar. De tempos em tempos, escutamos o estrondo de grandes blocos de gelo que se desprendem do maciço e caem na água. Um espetáculo! Retornamos a El Calafate para descansar pois o dia seguinte seria complicado.

No décimo terceiro dia, com muita incerteza quanto ao caminho (pelas informações insuficientes, parciais e truncadas), saímos de El Calafate rumo a cidade de Perito Moreno – Santa Cruz (Argentina), a 625 km. Após 170 km rodados, levamos 2h para percorrer 70 km de rípio (estrada em preparo para pavimentação), 30 cm de valas complementadas pelos fortíssimos ventos que nos renderam dois tombos cinematográficos, sendo que em um deles estávamos parados. Mais 60 km de estrada asfaltada e nada no caminho, até chegarmos em Governador Gregores (Argentina), onde comemos. A partir daqui seguimos em estrada pavimentada e, depois de viajarmos no meio do nada por mais 325 km e preocupados com a noite, chegamos em uma pequena cidade na Argentina chamada Perito Moreno.

No décimo quarto dia, tínhamos como objetivo percorrer 224 km de Perito Moreno a Coyhaique (Chile). Nos primeiros 73 km até Chile Chico, passamos pela tranquila aduana argentina e pela burocrática aduana chilena, onde a caótica e rigorosa fiscalização (controle de alimentos) nos atrasou e perdemos a balsa que liga Chile Chico a Puerto Ivañez (ambas no Chile). A próxima só sairia no fim da tarde e estava lotada mas com possibilidade de desistências. Resolvemos arriscar, pois não havia opção de hospedagem tanto em Chile Chico quanto em Puerto Ivañez. Para ocupar o tempo fomos a uma festa regional em uma fazenda próxima, com churrasco de carneiro, pastéis de guanaco, vestimentas e danças típicas, similares a cultura gaúcha.

Nos dias seguintes passamos por várias cidades, mas o destaque ficou para a mais aventura da viagem, o vulcão.

Escalando o Vulcão Vilarrica

No décimo oitavo dia, saímos de Valdívia, em direção a Niebla, a 14 km de distância, para visitarmos o Castelo de Niebla, que era usado para defesa da cidade. Linda vista, com museu e encenações típicas. De Niebla partimos 172 km rumo a Pucón (Chile). Ela fica ao pé do Vulcão Villarrica e do lado do Lago Villarrica. Tem opções para o inverno e verão e ainda a visão do vulcão Villarrica que é maravilhosa. Por ele estar ativo, a noite é possível ver as labaredas de fogo em seu cume.

Escalar um vulcão não é brincadeira, para leigos pior ainda. Munidos de equipamentos adequados e equipes de monitores, fomos vencendo cada etapa. Muito frio e enorme esforço físico. Com gigantescas fissuras no solo, rochas soltas, neve espessa, além do vento intenso e congelante, parar no caminho era perigoso. Foram oito horas e meia de subida até o topo do vulcão.

Na borda da cratera vimos a movimentação da lava e suas grandiosas labaredas, uma inesquecível e impressionante imagem! Mas depois de oito horas e meia de subida, nos foi permitido somente 5 minutos no cume. O tempo é importante para tudo: para subir, para comer, para estar no topo e para voltar para a base. Não podemos correr o risco de anoitecer e nem ficarmos expostos a fumaça e ao frio. O cheiro de enxofre e a fumaça são nocivos, o que nos impõe o uso de máscaras com filtro de ar.

A volta foi feita em duas horas de skibunda e caminhadas. Não é só escorregar montanha abaixo. O vulcão possui gretas, fissuras, partes moles, uma infinidade de perigos que na hora era melhor nem pensar. Como foi cansativo! Pensamos que para baixo qualquer santo ajudaria. Ledo engano, o esforço é constante e desgastante e temos que controlar a velocidade com picaretas cortantes das quais nunca fomos íntimos.

No vigésimo dia, seguimos de Pucón por 787 km para Santiago (Chile). Capital do pais, cidade cosmopolita e com trânsito pesado. Enquanto as motos eram revisadas, curtimos as inúmeras opções de lazer que esta encantadora cidade oferece.

No vigésimo primeiro dia, através dos famosos caracoles, cruzamos a Cordilheira dos Andes por 160 km com destino a Mendoza (Argentina), onde almoçamos.  Nossa rota primária seria por Santa Fé – Vera Cruz (Argentina) e a intenção era chegar até Rio Quarto – Cordoba (Argentina). Mas acabamos alterando a rota devido a interdição de um túnel alagado sob o rio Parana, próximo a Santa Fé. Fizemos o desvio e chegamos em uma pequena cidade rural Argentina chamada Vicuña Mackenna/Rio Quarto – Cordoba (Argentina).

 

No vigésimo terceiro dia e último de viagem, percorremos 631 km de Uruguaiana a Porto Alegre. Com aproximadamente 10 mil km percorridos e eternas lembranças encerramos essa aventura. Durante a viagem encontramos com pessoas tudo quanto era lugar do planeta e ouvimos com frequência que atualmente temos entre os dois extremos das Américas o melhor e único roteiro de aventura.

  • Egton Pajaro, é um empresário mineiro e viajou de moto de Porto Alegre até Ushuaia, em uma aventura pelos Glaciares Grey e Perito Moreno com escalada ao Vulcão Villarrica.

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